VÊNUS AO ESPELHO TEMÁTICA Desconhece-se a data concreta de sua execução. A crítica considera que Velásquez realizou este quadro mitológico durante sua estada em Roma. Também se especula com a possibilidade de que a tela tivesse sido realizada pouco tempo depois de sua segunda viagem à Itália. Os especialistas definem um período cronológico que oscila entre 1642 e os primeiros momentos da década de cinqüenta. A documentação histórica a situa dentro da coleção do marquês de Eliche por volta do ano de 1651. A obra é extraordinariamente relevante por diversas razões. Trata-se do único nu feminino do sevilhano que se conserva. O artista teria pintado outros três mais. A esta circunstância se soma o fato de que esta Vênus constitua um dos escassos exemplos deste tipo de pintura dentro da arte espanhola do século XVII. A representação de uma mulher nua diante do espelho tem seus antecedentes na pintura veneziana do século XVI. Bellini, Ticiano e outros cultivaram este tema. É mais provável que Velásquez tivesse conhecimento deste tipo de obras, graças às coleções reais e a sua estada na Itália. ANÁLISE TÉCNICA E ESTILÍSTICA A composição da tela oferece uma notável horizontalidade, acentuada pelo corpo recostado da deusa. Os precedentes iconográficos mais imediatos do assunto mostram a Vênus sentada. Esta postura que o artista sevilhano escolhe para a sua Vênus é absolutamente nova. Talvez estivesse em algumas obras de Ticiano e numa escultura helenística que ele conhecesse. Trata-se de um hermafrodita dormindo. O sevilhano teria enviado da Itália esta imagem junto com outras talhas e moldados para a decoração dos sítios reais. A mitologia não é mais que um pretexto para concentrar-se no estudo do corpo feminino, pouco tratado pelos pintores espanhóis do momento. O modelado da figura não obedece aos ditados de um desenho duro e de corte escultórico. Os indícios de um maneirismo tardio, característico de sua obra juvenil, desapareceram por completo. A pincelada é suave e de grande delicadeza. A técnica de seu traço parece adiantar-se alguns séculos, enlaçando-se estilisticametne com os nus impressionistas. O contraste entre o vermelho da cortina e o verdoso do tecido de pregas sobre os quais se recosta o personagem acentua a brancura de um corpo imaginado. INTERPRETAÇÃO Esta tela forma, com a Olimpia, de Manet e a Maja, de Goya, uma trilogia essencial do nu feminino dentro da história da pintura ocidental. A beleza feminina é protagonista indiscutível desta obra, que foi objeto de outras leituras. O espelho é um elemento freqüente na representação pictórica do Barroco. A delicadeza do modelado corporal contrasta com os traços esboçados que nos oferece este objeto. Esta circunstância leva a Nina Mallory (MALORI) pensar que a obra supõe também uma alegoria da vaidade. O sentido moral do quadro se explicaria em função desse reflexo no espelho, tão fugaz e inconsistente como a própria beleza do corpo. Esta magistral composição sofreu importantes danos em 1914. Uma mulher, em protesto pelo maltrato que sofria o movimento feminista, atacou a tela com um machado. Restaurações posteriores deram à luz novamente a alta qualidade técnica posta em prática pelo seu autor.